sexta-feira, 30 de março de 2012

Os militares e suas roupas camufladas, suas botas pretas de couro amarradas acima do tornozelo. Militares e seus casacos pesados, palavras tortuosas e vidas sem sentindo. Marcham demais, vão em direção do horizonte, rumo ao sol ou em cima do meu coração. Nenhum deles se preocupam, ninguém tem  cautela. Ainda que meu envolotro pareça macio e gostoso de saciar as vontades dos pés, isso me apodrece. 
Aguento, aguento com a honra de quem sirva ao exército. Aguento com a ilusão de uma recompensa utópica, porque sei que mais fácil séria crer em algum deus que me desse rumo.
Ninguém recebe pelas culpas dos meus pecados, mas mesmo assim eu escuto. Sou punida, e não sou pura, desejo as vezes morrer para não enfrentar diálogos com meus militares.
Gente suja que se julga limpa, gente limpa que eu julgo suja. Com a boca cheia de sangue me falam de amor, assim balbucio palavras grudadas umas nas outras e ninguém compreende meu desespero. Matando uns aos outros mas fazendo palestras sobre pró vida, assim dou risada baixinho e de noite choro agarrada ao travesseiro ou no ombro do meu ópio.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Era tarde,e minha cabeça já estava pesada demais para meus ombros suportarem. O chão daquele lugar era irregular e sujo, hávia restos de cigarros e de alma humana. Meu cabelo estava cheirando a fumaça,e meus pés úmidos latejavam num sapato azul escuro.Mesmo no meio de tantas coisas turgidas eu conseguia enxergar clareza o seu olhar.
Meu coração ainda palpita quando lembro da sexta-feira mais longa da minha vida. Não há porém nenhum motivo para ter esses olhos marejados agora.
Sinto sua falta, e talvez o motivo seja esse. Talvez seja por isso que não consigo tirar seus olhos de guia da minha cabeça. Sinto falta dos afagos, de todos nossos pequenos contatos e da sua voz de conforto.
Minha mente volta para aquele lugar paralelo no tempo, e o tempo agora pede colo.

domingo, 11 de março de 2012

Lúcio,
Escrevo-te, lápis em punho, nesta madrugada. Não encontrei caneta? Talvez porque o escrito à lápis sempre possa ser apagado, mudado, (re)editado. Com a vida não tem disso. Ensaio e estreia. Somos meros rascunhos do que planejávamos ser. Personagens de nossos pequenos dramas pessoais. A gente lê tragédia grega e acaba vivendo dramalhão mexicano com requintes de patetismo.
Eu (sim, "lá vem ela com seus eus", imagino sua possível irritação aqui) sempre dei valor demasiado à ausência, porque ela é um lugar de destroços. Titubeio, tropeço numa pedra mal colocada e não há uma mão alí para me amparar. Criança que escondeu-se no armário e os pais não deram falta, durante uma festa. Alguém abre a porta do armário, pergunta por onde estive e me abraça. Faço de conta que foi assim, e dói menos. As melhores cenas da minha vida não aconteceram, mas deveriam.
Não te respondo com o mesmo lirismo, pois tem me faltado poesia no rodo cotidiano. Onde vende lirismo?
Espero-te. Juro com a minha falta de fé em quase tudo que nunca mais te espero. As esperas me fatigam. Respondo-te. Emudeço.
Naquele tempo em que tu e eu éramos "nós", me chamavas de bailarina astuta. Naquele tempo, esqueci de te dizer algo f-u-n-d-a-m-e-n-t-a-l: eu nunca aprendi a dançar tão devagar, pra te acompanhar. Ou talvez tenha dito, e não ouviste meu sussurro. Aparecias mesmo quando eu gritava histericamente, com seu ar professoral de quem viveu mais. Eu, sempre a criança mimada a engolir o choro. No entanto, não vinhas quando eu cantava, num segundo mais feliz.

(Vanessa Souza Moraes in: Cadernos de Luísa)

sexta-feira, 2 de março de 2012

Não interessa o que passamos, eu quero ir embora. Eu lhe disse, assim que entreguei o último bilhete "Não sou feita para aguentar" e assim fiz. Não suportarei nem mais uma pontada que tenha gosto do desgosto, se me doer eu vou embora.
Quero ficar, mas tenho as malas prontas e um orgulho que pesa mais que meu corpo. E minha matéria, do que mais ela pode ser feita? me construí naquilo que suportei. Não há mais motivos pra tampar rebocos.
Meu corpo se desfaz entrando em estado líquido, na minha cama é que sinto nossas dores.
Eu só preciso de um pouco de carinho e vou embora, uma mão na nunca ou um beijo na testa já me basta...